Painel do Fado por José
Malhoa
O fado é um estilo
musical português. Geralmente é cantado por uma só pessoa (fadista) e
acompanhado por guitarra clássica (nos meios fadistas
denominada viola) e guitarra portuguesa. O fado foi elevado à
categoria de Património Oral e Imaterial da
Humanidade pela UNESCO
numa declaração aprovada no VI Comité Intergovernamental desta organização
internacional, realizado em Bali, na Indonésia, entre 22 e 29 de Novembro de 2011.
Uma explicação
popular para a origem do fado de Lisboa remete para os cânticos dos Mouros, que
permaneceram no bairro da Mouraria, na cidade de Lisboa após a
reconquista Cristã. A dolência e a melancolia, tão comuns no Fado, teriam sido
herdadas daqueles cantos. No entanto, tal explicação é ingénua de uma
perspectiva etnomusicológica. Não existem registros do fado até ao início do
século XIX, nem era conhecido no Algarve, último reduto dos árabes em Portugal,
nem na Andaluzia onde os árabes permaneceram até aos finais do século XV.
A origem do fado parece despontar da imensa popularidade nos
séculos XVIII e XIX da Modinha, e da sua síntese popular com outros géneros afins, como
o Lundu.
No essencial, a origem do fado é ainda desconhecida, mas certo é, que surge no
rico caldo de culturas presentes em Lisboa, sendo por isso uma canção urbana.
Amália Rodrigues, Arte de Rua em Lisboa
“Usava boné de oleado com tampo largo, e pala de polimento, ou boné direito do feitio dos guardas municipais, com fita preta formando laço ao lado e pala de polimento; jaqueta de ganga ou jaqueta com alamares."
" O seu penteado consistia em trazer o cabelo cortado de meia cabeça para trás, mas comprido para diante, de maneira que formasse melenas ou belezas, empastadas sobre a testa."
Na primeira metade do século XX, já em Portugal, o fado foi adquirindo grande riqueza melódica e complexidade rítmica, tornando-se mais literário e mais artístico. Os versos populares são substituídos por versos elaborados e começam a ouvir-se as décimas, as quintilhas, as sextilhas, os alexandrinos e os decassílabos.
Durante as décadas de 30 e 40, o cinema, o teatro e a rádio vão projectar esta canção para o grande público, tornando-a de alguma forma mais comercial. A figura do fadista nasce como artista. Esta foi a época de ouro do fado onde os tocadores, cantadores saem das vielas e recantos escondidos para brilharem nos palcos do teatro, nas luzes do cinema, para serem ouvidos na rádio ou em discos.
Surgem então as Casas de Fado e com elas o lançamento do artista de fado profissional. Para se poder cantar nestas Casas era necessário carteira profissional e um repertório visado pela Comissão de Censura, bem como, um estilo próprio e boa aparência. As casas proporcionavam também um ambiente de convívio e o aparecimento de letristas, compositores e intérpretes.
Já em meados do século XX o fado iniciou sua conquista pelo mundo, tornando-se muito famoso também fora de Portugal.
Os artistas que cantam o fado trajavam de negro. É no silêncio da noite, com o mistério que a envolve, que se deve ouvir, com uma "alma que sabe escutar", esta canção, que nos fala de sentimentos profundos da alma portuguesa. É este o fado que faz chorar as guitarras…
O fadista canta o sofrimento, a saudade de tempos passados, a saudade de um amor perdido, a tragédia, a desgraça, a sina e o destino, a dor, amor e ciúme, a noite, as sombras, os amores, a cidade, as misérias da vida, critica a sociedade…
Na segunda metade do século XIX, surge em Lisboa, embalado nas correntes do romantismo, uma melopeia que tanto exprimia a tristeza unânime de um povo e a desilusão deste para com o ambiente instável em que vivia, como abria faróis de esperança sobre o quotidiano das gentes mais desfavorecidas e, mais tarde, penetrava ainda nos salões da aristocracia, tornando-se rapidamente uma expressão musical nacional.
A sua origem histórica é incerta e não é uma importação, mas antes uma criação que surge de uma mistura cultural que ocorreu em Lisboa.
O musicólogo Rui Vieira Nery considera que a história do fado tem início bem longe de Lisboa, mas o investigador Paulo Caldeira mostra mais acuidade com as afirmações ao demonstrar que o fado começou por ser cantado nas chamadas "Casas de Fado”, como Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto, Madragoa, e as suas origens boémias e ordinárias, baseadas nas tabernas e bordéis, nos ambientes de orgia e violência dos bairros mais pobres e violentos da capital, tornavam o fado condenável aos olhos da Igreja, que desde cedo tentou impedir a evolução de tal movimento.
Porém, é com a penetração da fidalguia nos bairros do castelo, com a presença constante dos cavalheiros e mesmo fidalgos titulares, que o fado se torna presença nos pianos dos salões aristocráticos. Tais nobres que se aventuravam naquele ambiente bairrista foram traduzindo as melodias da guitarra para as pautas das damas de sociedade, que até ali só investiam nas modinhas. Tal investidura levou a que o fado, ao passar da década de 1880, se tornasse assíduo dos salões.
As guerras civis da metade do século criaram um clima de insegurança que envolveu as vicissitudes a vida parlamentar e política, despertando na voz popular a adesão maior ao fado e ao regozijo que este lhe trazia.
As tabernas, primordialmente, eram palco de encontros de fidalgos, artistas, trabalhadores das hortas, populares e estrangeiros, que se reuniam em noites de fado vadio, ou seja, o fado não profissional.
A primeira cantadeira de fado de que se tem conhecimento foi Maria Severa Onofriana que cantava e tocava guitarra nas ruas da Mouraria, especialmente na Rua do Capelão. Era amante do Conde de Vimioso e o romance entre ambos é tema de vários fados.
Mas é com início do século XX que nasce Ercília Costa, uma fadista quase esquecida pelas vicissitudes do tempo, que foi a primeira fadista com projecção internacional e a primeira a galgar fronteiras de Portugal.
Os temas mais cantados no fado são a saudade, a nostalgia, o ciúme, as pequenas histórias do quotidiano dos bairros típicos e as lides de touros. Eram os temas permitidos pela ditadura de Salazar, que permitia também o fado trágico, de ciúme e paixão resolvidos de forma violenta, com sangue e arrependimento. Letras que falassem de problemas sociais, políticos ou quejandos eram reprimidas pela censura.
Deste fado "clássico" são expoentes mais recentes Carlos Ramos, Alfredo Marceneiro, Maria Amélia Proença, Berta Cardoso, Maria Teresa de Noronha, Hermínia Silva, Fernando Farinha, Fernando Maurício, Lucília do Carmo, Manuel de Almeida, entre outros.
O fado moderno iniciou-se e teve o seu apogeu com Amália Rodrigues. Foi ela quem popularizou fados com letras de grandes poetas, como Luís de Camões, José Régio, Pedro Homem de Mello, Alexandre O’Neill, David Mourão-Ferreira, José Carlos Ary dos Santos e outros, no que foi seguida por outros fadistas como João Ferreira-Rosa, Teresa Tarouca, Carlos do Carmo, Beatriz da Conceição, Maria da Fé, Mísia. Também João Braga tem o seu nome na história da renovação do fado, pela qualidade dos poemas que canta e música, dos autores já citados e de Fernando Pessoa, António Botto, Affonso Lopes Vieira, Sophia de Mello Breyner Andresen, Miguel Torga ou Manuel Alegre, e por ter sido o mentor de uma nova geração de fadistas. Acompanhando a preocupação com as letras, foram introduzidas novas formas de acompanhamento e músicas de grandes compositores: com Amália é justo destacar Alain Oulman (um papel determinante na modernização do suporte musical do fado), mas também Frederico de Freitas, Frederico Valério, José Fontes Rocha, Alberto Janes, Carlos Gonçalves.
Nascido em Lisboa o fado tornou-se rapidamente numa canção nacional que é hoje conhecido mundialmente pode ser (e é muitas vezes) acompanhado por violino, violoncelo e até por orquestra, mas não dispensa a sonoridade da guitarra portuguesa, de que houve e ainda há excelentes executantes, como Armandinho, José Nunes, Jaime Santos, Raul Nery, José Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Pedro Caldeira Cabral, José Luís Nobre Costa, Ricardo Parreira, Paulo Parreira ou Ricardo Rocha. Também a viola é indispensável na música fadista e há nomes incontornáveis, como Alfredo Mendes, Martinho d'Assunção, Júlio Gomes, José Inácio, Francisco Perez Andión, o Paquito, Jaime Santos Jr., Carlos Manuel Proença. Obrigatório é mencionar um virtuoso da guitarra clássica que se especializou em viola de Fado, Artur Caldeira, e o expoente máximo da "escola antiga", o viola-baixo de Fado, Joel Pina, o "Professor".
Actualmente, muitos jovens – Cuca Roseta, Marco Rodrigues, Ana Moura, Carminho, Rodrigo Costa Felix,Raquel Tavares, Helder Moutinho, Maria Ana Bobone, Mariza, Yolanda Soares,Joana Amendoeira, Mafalda Arnauth, Miguel Capucho, Ana Sofia Varela, Marco Oliveira, Katia Guerreiro, Luísa Rocha, Camané, Aldina Duarte, Gonçalo Salgueiro, Diamantina, Ricardo Ribeiro, Cristina Branco – juntaram o seu nome aos dos consagrados ainda vivos e estão dando um fôlego incrível a esta canção urbana.
O fado dito "típico" é hoje em dia cantado principalmente para turistas, nas "casas de fado" e com o acompanhamento tradicional. As mais tradicionais casas de fado encontram-se nos bairros típicos de Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa. Mantém as características dos primórdios: o cantar com tristeza e com sentimento mágoas passadas e presentes. Mas também pode contar uma história divertida com ironia ou proporcionar um despique entre dois cantadores, muitas vezes improvisando os versos – então, é a desgarrada.
No dia 27 de Novembro de 2011, a UNESCO declarou o Fado Património Imaterial da Humanidade. A candidatura apresentada pela delegação portuguesa foi aceite, em Bali, durante o VI Comité Intergovernamental desta Organização da ONU.
Século XX
No século XX vive-se em plena censura no regime salazarista
e uma licença era exigida aos fadistas e instrumentistas e as letras e os
poemas eram sujeitos a uma censura rigorosa. O século XX é a época de ouro do
fado, este é projectado para o grande público, o fadista deixa de se limitar às
tabernas e vielas e surge nos palcos do teatro, no cinema, na rádio e em
discos, saltando para o teatro de Revista. Aparece-nos a chamada Casa de fados
e o fadista passa a ser considerado artista profissional, com estilo próprio e
boa aparência, trajado de negro como a escuridão da noite silenciosa. Este novo
meio é propício ao aparecimento de letristas, compositores e intérpretes. Na
primeira metade do século XX aparece-nos Ercília Costa a primeira fadista
portuguesa de projecção internacional apelidada de "Sereia peregrina do
Fado", "Santa do Fado" e "Toutinegra do Fado”.Empurrado
para as luzes da ribalta pelo cinema, rádio e mais tarde televisão, o Fado, era
adorado por todos, não havendo quase português que não o ouvisse. Ainda há
pouco cantado nas tabernas e nos pátios dos bairros populares, como Alfama,
Castelo, Mouraria, Bairro Alto, Madragoa, torna-se a alma portuguesa.É neste
século na década de 50 que surge Amália Rodrigues, conhecida nacional e
internacionalmente como a maior fadista de todos os tempos e pioneira do fado
moderno.
Anos 60 e 70
Até ao 25 de Abril, o Fado era a alma nacional, a canção do
momento que representava as tristezas e angústias da alma portuguesa e a sua
queda para o fatalismo. Quando se deu o 25 de Abril de 1974 aparecem-nos as
canções de intervenção que ao invés do fatalismo apelavam à esperança de um
povo oprimido e crença na liberdade e estas tiveram uma adesão imediata por
parte da população, surgindo-nos personalidades como Adriano Correia de
Oliveira, José Afonso mais conhecido como Zeca Afonso, Luís Cília, Manuel
Freire, José Mário Branco, José Barata Moura, Sérgio Godinho, Carlos Alberto
Moniz, Maria do Amparo, Teresa Paula Brito, Fausto, Carlos Paredes e muitos
outros e o fado é marginalizado, é posto à margem, afastado, é retirado do
pedestal e é um pouco desvalorizado para dar lugar às canções que exaltam a
esperança e anseiam pela liberdade, que eram cantadas tanto pelos cantores e
fadistas de Lisboa como em Coimbra.
O Fado de Coimbra
Grupo de fados Verdes Anos
Muito ligado às tradições académicas da respectiva Universidade, o Fado de Coimbra
tem as suas origens nos estudantes de todo o país que levavam as suas guitarras
para Coimbra e, como ainda hoje se assiste, é exclusivamente cantado por homens
e tanto os cantores como os músicos usam o traje académico: calças e batina
pretas, cobertas por capa de fazenda de lã igualmente preta. Canta-se à noite,
quase às escuras, em praças ou ruas da cidade. O local mais típico é na praça
junto ao Mosteiro da Sé Velha. Também é tradicional organizar serenatas,
em que se canta junto à janela da casa da dama que se pretende conquistar.
O Fado de Coimbra é acompanhado igualmente por uma guitarra
portuguesa e uma guitarra clássica (também aqui chamada "viola"). No
entanto, a afinação e a sonoridade da guitarra portuguesa são, em Coimbra,
diferentes das do fado de Lisboa na medida em que as cordas são afinadas um tom
abaixo, e a técnica de execução é diferente por forma a projectar o som do
instrumento nos espaços exteriores, que são o palco privilegiado desta canção.
Também a guitarra clássica se deve afinar um tom abaixo. Esta afinação pretende
transmitir à música uma sonoridade mais soturna, relativamente ao Fado de
Lisboa.Temas mais glosados: os amores estudantis, o amor pela cidade, e outros temas relacionados com a condição humana. Dos cantores ditos "clássicos", destaques para Augusto Hilário, António Menano, Edmundo Bettencourt.
Nos anos 1950 do Século XX iniciou-se um movimento que levou os novos cantores de Coimbra a adoptar a balada e o folclore. Começaram igualmente a cantar grandes poetas, clássicos e contemporâneos, como forma de resistência à ditadura de Salazar. Neste movimento destacaram-se nomes como Adriano Correia de Oliveira e José Afonso (Zeca Afonso), que tiveram um papel preponderante na autêntica revolução operada desde então na Música Popular Portuguesa.
No que respeita à guitarra portuguesa, Artur Paredes revolucionou a afinação e a forma de acompanhamento da Canção de Coimbra, associando o seu nome aos cantores mais progressistas e inovadores. (Artur Paredes foi pai de Carlos Paredes, que o seguiu e que ampliou de tal forma a versatilidade da guitarra portuguesa que a tornou um instrumento conhecido em todo o mundo.)
Saudades de Coimbra ("Do Choupal até à Lapa"),
Balada da Despedida do 6º Ano Médico de 1958 ("Coimbra tem mais encanto,
na hora da despedida", os primeiros versos, são mais conhecidos do que o
título), O meu menino é d’oiro Fado Hilário e Samaritana – são algumas das mais
conhecidas Canções de Coimbra.
A canção mais conhecida é Coimbra é uma lição, que teve um
êxito assinalável em todo o mundo com títulos como Avril au Portugal ou April
in Portugal, levada pelas mãos de Amália.
Fado Alcântara
Fado aristocrataIniciado por Maria Teresa de Noronha, e progredido por membros da sua família.
Fado Bailado
Fado BatêFado-canção
Fado Castiço
Fado tradicional dos bairros típicos de Lisboa
Fado Corrido
Caracterizado por ser um fado alegre, desgarrado e dançável.[14]
Fado experimental
Dentro do "fado do milénio", atinge o auge com Mísia.
Dentro do "Fado Em Concerto", atinge o auge com Yolanda
Soares.
Fado Lopes
Fado Marcha Alfredo Marceneiro
Criado por Alfredo Marceneiro.
Fado da Meia-noite
Criado por Felipe Pinto.
Fado Menor
Caracterizado por ser um fado melancólico, triste e saudoso.
Fado Mouraria
Fado Pintadinho
Fado Tango
Criado por Joaquim Campos.
Fado Tamanquinhas
Fado Vadio
Fado não profissional.
Rapsódia de fados
Justaposição ou mescla de melodias (fados) tradicionais ou
populares.
Fado Marialva
Caracterizado por ser um fado alegre, referente à tradição
tauromáquica
"Cavalo Ruço", "Campinos do Ribatejo",
"Fado das Caldas"...
SENHORA DO MONTE
ALFREDO
MARCENEIRO
Naquela casa de esquina
mora a Senhora do Monte
e a providência divina
mora ali quase defrontePor fazer bem à desgraça
deu-lhe a desgraça também
e aquela divina graça
e aquela divina graça
que nossa Senhora temSenhora tão bemfazeja
que a própria Virgem Maria
não sei se está na igreja
se naquela moradiaCom a mágoa que desconsola
a pobreza se conforta
na certeza de uma esmola
na certeza de uma esmolaquando bate aquela portaO luar da lua cheia
ao bater na janela
reforça a luz da candeia
no alpendre da capelaVai lá muita pecadora
que de arrependida chora
mas não é nossa Senhora
mas não é nossa Senhora
que naquela casa mora
Senhora tão bemfazejaque a própria Virgem Maria
não sei se está na igreja
se naquela moradia.
(Fados do passado,
presente e futuro)
FADO-Pintura-em-azulejo-de-José Malhoa
EM CADA PORTUGUÊS HÁ UM FADISTA - João Braga (Poema de Manuel Alegre)
Em cada português há
um fadista
o fado está na alma e
está na voz
haverá sempre a ilha
nunca vista
só essa é nossa, o
fado somos nós.
Haverá sempre a flor
inconquistada
haverá sempre em nós o
outro lado
o fado é ter de tudo e
não ter nada
em cada português há
sempre um fado.
Haverá sempre em nós o
amor louco
em cada um Dom Pedro e
Dona Inês
o fado dá-nos tudo e é
tão pouco
há um fadista em cada
português.
Amor do amor, amor de
perdição
e quanto mais se bebe
mais conquista
o fado é sempre um
sim, é sempre um não
e em cada português há
um fadista.
Em cada português há
um fadista
o fado está na alma e
está na voz.